A Menstruação e o nosso Ciclo Divino

Curando a relação com nosso sangue sagrado

Trazer o assunto menstruação para o nosso Círculo foi um grande desafio. Afinal, não é um assunto que a maioria das mulheres escolheria. Mais fácil falar sobre a ditadura da beleza ou poder pessoal. E o assunto foi recebido com um pouco de estranhamento. Mulheres ficam menstruadas e pronto. Há mais o que se falar?

Siiiiim. Há muito que se falar. Há que se falar do nosso Universo interno, sobre as nossas “marés” íntimas, sobre como tudo isso é único e especial. Temos que ter consciência que somos “de Lua”, que passamos por várias fases no mesmo mês. E que isso nos faz mulheres e únicas.

Também há de se falar sobre como isso foi demonizado, rechaçado e expiado pela sociedade. Como isso foi tido como sujo, vergonhoso e pecaminoso, algo que deve ser escondido e não comentado. Ou por acaso você conhece muitas mulheres que falam abertamente que estão menstruadas?

Comecemos lembrando que em muitas sociedades antigas as mulheres foram consideradas divinas pelo fato de sangrarem todos os meses e não morrerem. Criavam-se estruturas para que as mulheres se retirassem durante esse período e se abrissem para os aprendizados que dele provém. Além disso, esse sangue era devolvido à Terra de forma ritualizada e sagrada, como retribuição e fertilização do solo, fechando o ciclo de vida-morte-vida.

Infelizmente, em muitas outras sociedades, principalmente naquelas que deram origem à nossa atual cultura, o sangue foi visto como algo sujo e maldito, chegando-se ao ponto de isolar as mulheres menstruadas por serem impuras e poderem contaminar alimentos e crianças. Até hoje carregamos uma série de preconceitos sobre esse assunto, que vão de piadas de mau gosto a apelidos pejorativos.

Não senhor, meu sangue não é sujo e se há sangue sujo é o sangue das guerras.
Fonte: Pinterest

É neste ponto de consciência que nós mulheres chegamos ao Círculo. Acreditando que esse é um assunto a ser escondido, não comentado, sem importância. E quando colocamos algo tão sagrado no patamar do sem importância é que nos damos conta do quanto fomos massacradas, de como nos sentimos inferiores por sermos mulher. Aí entra a força do Círculo e a importância de tratarmos abertamente de assuntos do feminino, sejam cotidianos ou sagrados – e a menstruação é um tópico que é as duas coisas ao mesmo tempo. Um processo de profundo empoderamento pessoal e de retomada do nosso poder como mulheres e fêmeas.

Fazendo uma reflexão inicial: se comparássemos nosso endométrio com uma manta quente e nutridora, que tricotamos durante semanas para noss@ bebê, a fim de recebê-l@, mantê-l@ aquecid@ e garantir seu desenvolvimento, teríamos tanta repulsa ao ver nosso sangue, ao imaginar que essa manta está se desfazendo? Algo que foi feito com tanto amor e com o melhor que temos dentro de nós para noss@ filh@?

Nosso ciclo sagrado

Primeiramente, temos que entender como funciona o nosso ciclo. Ele se divide em quatro fases: pré-ovulatória, ovulatória, lútea e menstrual. Essas fases possuem componentes biológicos e energéticos que devemos levar em consideração em nosso dia-a-dia.

Dinâmica – Expressiva – Criativa – Reflexiva
Fonte: Instagram – Tantric.alchemy

Fase pré-ovulatória

Biologicamente, a fase pré-ovulatória é quando o óvulo se prepara para deixar os ovários. Ela geralmente acontece entre o 6º até o 12º dia contando desde a menstruação, que é quando a glândula pituitária irá estimular os ovários femininos para que produzam tanto progesterona como também o estrógeno, além de outros hormônios que se responsabilizam pelo ciclo da menstruação.

O estrogênio é o que faz com que o endométrio fique com a sua espessura mais grossa, preparando-se então tanto para proteger como também para alimentar os embriões que poderão gerar a gravidez. A progesterona é o que mantém as paredes do útero bem protegidas até que a mulher engravide, ou no caso da mulher gestante, até que a menstruação volte a acontecer.

Energeticamente, esses hormônios estimularão estados criativos e dinâmicos na mulher. Ela se apresentará mais extrovertida e sociável neste período associado ao arquétipo da Donzela e à Lua Crescente.

Estes são tempos de semear, organizar e planejar os próximos passos de um projeto.

Fase ovulatória

A ovulação, que por sua vez, começa a ocorrer entre o 13º e o 15º dia antes que a próxima menstruação se inicie. Nesse momento, a glândula pituitária é a responsável por enviar um sinal para o nosso cérebro, fazendo com que sejam liberados em nosso corpo dois diferentes hormônios.

O primeiro desses hormônios é o folículo-estimulante, sendo ele capaz de fazer com que os óvulos se desenvolvam por completo dentro das trompas do ovário. O segundo, por sua vez, é o hormônio leutenizante, que faz com que o aparelho reprodutor feminino seja capaz de liberar um ou até mais óvulos totalmente maduros para que ocorra a fecundação.

Energeticamente também estamos férteis e criadoras. Esta é uma fase de gestar, nutrir e adubar o projeto iniciado na fase pré-ovulatória, assumindo o arquétipo da Mãe e usando as energias de expressão e articulação presentes. Além disso, nesta fase o desejo sexual esta no auge e o nosso corpo secreta no ar hormônios associados ao atrativo sexual. Período associado à Lua Cheia, estamos no ápice de nosso brilho e poder externo.

Fase lútea

Começa com a formação do corpo lúteo – do dia em que ocorre a ovulação ao primeiro dia do próximo ciclo menstrual (menstruação). Dura aproximadamente 12 a 16 dias, quando o corpo lúteo degrada-se (luteólise), ou mantém-se ativo (quando a mulher engravida), liberando hormônios (grande quantidade de progesterona e moderada quantidade de estrógeno) que mantêm a gestação até que a placenta assuma esse papel, entre a oitava e décima segunda semanas.

O hormônio que predomina neste período é a progesterona (há uma queda nos níveis de estrógeno e um pico de progesterona), o que faz cessar o espessamento da camada mais interna do útero (endométrio), mas mantém a circulação sanguínea e aporte de nutrientes para o caso de uma eventual nidação (quando o óvulo fecundado se fixa ao endométrio).

Fonte: Pinterest

Energética e emocionalmente, inicia-se um processo de introspecção e reflexão.

Todo processo de interiorização resvala no contato com suas sombras – crenças, medos e vozes internas que você não quer dar ouvidos. Neste momento, nosso corpo nos convida a mergulharmos em nosso mundo interno.

Caso esse processo de interiorização seja algo tranquilo para nós e estejamos habituadas a acolher nossas sombras, esse período transcorrerá suavemente e com os aprendizados necessários.

No entanto, para a maior parte das pessoas esse processo interno é marcado por tumulto e confusão. Portanto, para as mulheres, a fase lútea costuma ser um período turbulento e tenso, mais conhecido como T.P.M. (Tensão Pré Menstrual). Nesse momento, nos deparamos com uma série de fatores limitantes que nos incomodam, com aspectos de nossa personalidade e de nossa vida que nos machucam e, para tornar mais doloroso o processo, estamos mais impacientes para questões que confrontam nossos valores e objetivos.

Nossos medos, fúrias, raivas, dificuldades, inseguranças, iras, dores e mágoas estão a flor da pele. Tudo o que tentamos esconder nos nossos períodos mais enérgicos sai do armário neste momento, buscando solução.

Mas, e sempre há um mas, esse é o período perfeito para deixar ir. Associado à Lua Minguante, nos lembra que é hora de fazermos uma faxina interna. Vermos o que está surgindo, limparmos nosso baú de memórias inúteis e limitantes. Perceber o que vem à tona, o que deve ser curado e tratado.

Esse período de introspecção serve justamente para isso, para começarmos a separar o que vai embora junto com a limpeza externa do nosso corpo, a menstruação. É um período profundo de autoconhecimento. Quanto aos nossos projetos, vamos limpar e polir o que já gestamos na fase ovulatória, eliminando o que for desnecessário, carpindo as ervas daninhas, polindo e aperfeiçoando o processo.

Fase menstrual

Caso ocorra a nidação, a produção de hCG pelas células do sinciciotrofoblasto mantém o corpo lúteo ativo; caso contrário ele degenera (processo que leva duas semanas a partir da ovulação) e a mulher menstrua, começando um novo ciclo.

Eu sou este sangue. Este sangue sou eu.
Fonte: Pinterest

No momento da menstruação a mulher se permite eliminar todas as sombras, dores, medos, dificuldades e raivas que detectou na fase lútea. É o momento de deixar morrer  o que não nos nutre, momento de deixar ir, a fim de criar espaço para renascer.

Associada à Lua Nova, essa fase é de profundo recolhimento. Precisamos diminuir nosso ritmo e deixar o corpo se esvaziar. Muitas optam por plantar a Lua, ou seja, entregar seu sangue à Terra de forma ritualizada, a fim de restabelecer o vínculo com a Mãe Terra e transformar essa “morte” em nova vida, adubando o solo e agradecendo por tudo que a alimentou durante esse ciclo.

Hora de reavaliar os projetos, observar e deixar ir o que não interessa mais. Momento de escutar profundamente a voz de sua alma e buscar as novas sementes que serão jogadas na fase pré-ovulatória, respeitando nosso ciclo de vida-morte-vida.

Honrando todos os períodos

Vivemos na sociedade da demonstração. Precisamos mostrar: serviço, felicidade, ação, sorrisos e realizações. Logo, nossas fases de pré-ovulação e ovulação estão sempre afinadas com a nossa cultura de manifestação.

Por outro lado, quando entramos na fase lútea e ficamos mais introspectivas e turbulentas, entramos em um período menosprezado pela sociedade, que premia somente as pessoas “bem-resolvidas”. De quebra, recebemos o rótulo da T.P.M., que carrega junto consigo desprezo e uma série de piadas misóginas.

Despimos a roupa de princesa articulada e de mãe criadora resplandecente e passamos à fase da bruxa bocuda e mal humorada. Não queremos conversa nem damos desconto. Pendura-se a placa de “perigo” nas nossas mesas, salas e quartos.

Ou seja: polarizamos. Sempre polarizamos. Ou é lindo, ou é horrível.

Vamos tentar de novo? É NATURAL. Simples assim. Todas as fases são naturais. E ao aceitarmos e honrarmos isso recebemos de braços abertos esse grande presente que nosso ciclo sagrado nos traz e nos tornamos cada vez mais Mulheres.

Gráfico feito por Elisa Rodrigues baseado na palestra “Menstruación Consciente” de Cántaro Sagrado

Então, bora lá?

Vamos acompanhar nosso ciclo e aproveitar o que cada fase nos sugere?

Tempo de plantar, tempo de nutrir, tempo de polir e tempo de deixar ir.

Já pensou se a cada mês você cuidasse de seus projetos, seus sonhos e do seu mundo interno baseada nisso? O quanto você evoluiria? Quantas coisas seriam curadas? Quantos projetos brotariam e dariam frutos?

Curando nossa relação com a menstruação

O exercício da Árvore Menstrual foi retirado e traduzido da excelente palestra “Menstruación Consciente”, de Ximena Avila. Ele permite a análise da herança de crenças e hábitos que cada mulher traz de sua família, permitindo que se possa reconhecer como todos os comentários e situações a afetaram, entendendo a causalidade que começa em nossa consciência e finaliza na expressão da nossa menstruação sobre nosso corpo.

Viver uma menstruação consciente implica conhecer essa herança, que caso seja destrutiva deve ser honrada mas entregue a quem pertence – no caso nossas ancestrais. Dessa forma construímos uma relação que traz saúde e harmonia ao nosso sangue menstrual, baseada nos princípios e valores que nós mesmas escolhamos.

Inicialmente desenhamos uma árvore, com algumas raízes profundas e outras mais próximas à superfície. Desenhamos também o tronco, ramos e uma copa com folhas.

Imagem: tradução da palestra “Menstruación Consciente”

Nas raízes profundas colocamos a herança que todas nós mulheres portamos, pertencente à história da humanidade. Como essa herança é comum a todas, essa parte pode ser realizada no Círculo de Mulheres, através de uma análise antropológica e histórica dos principais pontos da humanidade que marcou a sexualidade e a menstruação das mulheres. Em cada raiz profunda da árvore é inserida uma frase que vá identificando e formando uma ideia dessa herança.

Nas raízes superficiais escrevemos o que recebemos de nossas ancestrais, principalmente nossas mães e avós, com as quais convivemos mais proximamente e ouvimos mais sobre menstruação e sexualidade. Podemos escrever frases que representem as principais ideias sobre o nosso paradigma familiar sobre a sexualidade, órgãos femininos, ser mulher, nosso sangue e a Lua.

No tronco escrevemos nossa própria experiência com a menstruação, incluindo pessoas que conhecemos e trouxeram aprendizagens diferentes daquela que recebemos de nossa família. O tronco agrupa todas as pessoas e situações que nos moldaram como mulheres adultas e permitiram construir algo mais além do que recebemos de nossa família. Nele podemos incluir a educação, terapia grupal e individual, a participação em círculos de mulheres e as relações com parceir@s que foram curadoras e construtivas, incluindo nomenclaturas ouvidas destas pessoas e lugares.

Dessa forma percebemos que o tronco forma uma sólida base de como vemos nossa menstruação, podendo ser transformador diante dos antigos paradigmas. Muitas mulheres cujas famílias entregaram crenças limitantes quanto à menstruação podem viver de forma plena porque construíram um tronco sólido para sua vida.

Finalmente na copa escrevemos sobre a forma como vivemos nossa menstruação. Nela tomamos consciência como as crenças mais profundamente arraigadas em nós afetaram nossa vida menstrual, e nos damos conta se aquilo que construímos e vivenciamos foi capaz de aportar positivamente ao nosso período menstrual.

Nessa parte analisamos os frutos de nossas crenças e hábitos de vida, pois se sabemos muito sobre menstruação consciente mas a vivemos como um inferno, é sinal que falta baixar ao corpo tudo o que foi consumido pelo intelecto.

Imagem: palestra “Menstruación Consciente”

Sem dúvida, essa análise completa resulta em um primeiro e importante passo para viver uma menstruação consciente. A base é desenvolver crenças positivas sobre a menstruação, associando a palavras sãs, e hábitos de vida amorosos tanto conosco quanto com a Mãe Terra.

Com isso criamos um tronco firme que nos permite transformar o que recebemos da família, caso seja de daninho. Através dele os frutos de nossa árvore menstrual serão sãos, o que se traduz em uma vida cíclica livre de venenos que nos adoece e nos invalidam a cada mês.

Conclusões em nosso Círculo

Após as reflexões profundas que conhecer nosso ciclo nos proporciona, provavelmente teremos uma relação completamente diferente conosco, com nosso corpo e nossa menstruação. Isso desembocará em maior qualidade de vida física, mental e emocional, além de iniciar um belo processo de cura de nossa linhagem ancestral junto aos aspectos do Feminino Sagrado.

Em nosso Círculo, o debate sobre menstruação trouxe uma série de insights sobre sombras, dificuldades e tendências que apresentávamos em determinados períodos de nosso ciclo. Ouvimos depoimentos de mulheres que nunca tiveram problemas com a menstruação e de outras que tinham mais tabus com relação ao assunto. Pudemos ressignificar  a menstruação em nossas vidas, perceber sua sacralidade e quanto isso é um processo natural, poderoso e belo.

Ao fim, concluímos que é um trabalho diário e contínuo. Que nossas crenças e tabus quanto a menstruação estão entranhados em diversas camadas. Mas que ao aceitá-la e nos conectarmos com nossos ciclos de forma favorável, aproveitando suas energias, conseguimos paulatinamente limpar toda essa carga negativa e pejorativa que carregamos há tanto tempo.


Nosso Círculo de Mulheres se reúne todo primeiro sábado do mês aqui em nossa cidade, Cotia/SP. Nossos encontros são gratuitos e todas as mulheres são bem vindas!
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Referências:
O Poder Místico da Menstruação
NOSSO SANGUE SAGRADO
TEMPO DE LUNAÇÃO
Instrutora de yoga dá aula sem absorvente e quebra tabu
A arte de menstruar
Recolhimento Sagrado do Feminino
Mulher cíclica – O dom de menstruar
Ciclos Menstruais e Ciclos Lunares
A menstruação e a lua
5 passos para superar a manifestação da sombra
Menstruación Consciente – Cántaro Sagrado (em espanhol)